A Defensoria Pública do Estado conseguiu na justiça o reconhecimento legal de mutiparentalidade para uma adolescente residente na zona rural de Palmeira dos Índios. A moça, de 16 anos, terá incluído em seus documentos e em seu sobrenome o nome mãe adotiva, responsável por ela desde seus primeiros dias de vida, e terá o direito de manter o nome da mãe biológica no documento.
Em 2002, a tia biológica da menina, junto ao seu marido, recebeu a pequena K, então com três dias de nascida, dos braços da mãe biológica criança.
Tempos depois, com o consentimento da mãe biológica e a aprovação dos filhos, que já são maiores de idade, o casal decidiu formalizar a adoção. No entanto, a morte do pai afetivo provocou a paralisação do processo.
A fim de dar continuidade ao processo de adoção, a Defensoria Pública do Estado solicitou, inicialmente, destituição de poder familiar da mãe para que a tia materna da menor pudesse tornar-se sua mãe, vez que já a criava desde que nasceu.
Acontece que, no curso do processo, foi constatado que a adolescente mantinha vínculos afetivos tanto com a pretensa mãe adotiva quanto com a mãe biológica/registral, tratando ambas como suas mães.
A partir de tal realidade, a defensora pública Bruna Pais requereu ao juízo que, em atenção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, do respeito à diferença, do pluralismo familiar, da proibição do retrocesso social e da proteção integral dos interesses de crianças e adolescentes, deferisse a adoção à autora, sem, contudo, destituir do poder familiar a mãe biológica, de modo que a adolescente passasse a ser filha de ambas, tendo em seu registro de nascimento dupla maternidade.
O pedido foi julgado procedente pelo juiz de Direito da 1ª Vara de Infância e Juventude de Palmeira dos Índios, José Miranda Santos Junior, que reconheceu que a adolescente é filha das duas mulheres, convivendo pacífica e harmoniosamente com ambas.
Na sentença, o magistrado afirmou a importância de proceder à aplicação do direito em observância à realidade fática, em especial quanto ao direito de família, que é ramo que permite maior flexibilidade na aplicação de normas, em razão das constantes mudanças do conceito de família na sociedade contemporânea.
A defensora pública ressalta que a multiparentalidade é fenômeno reconhecido pela jurisprudência somente recentemente, podendo ser definida como a possibilidade jurídica de, conservando-se o vínculo biológico entre genitor e filho, haver a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais entre esse filho e terceira pessoa, com quem este detém consolidada relação de afeto.
'Percebe-se que o legalismo precisa dar espaço à evolução dos fatos da vida, fazendo com que o Direito seja instrumento de consolidação de laços que relevam a dinâmica e a transformação da nossa sociedade, que está em constante movimento. É necessário, pois, que se acompanhem as mudanças, em especial nas relações familiares, que se pautam no amor e, por isso, transcendem formalidades e põem no chão noções obsoletas e preconceituosas de que antes embasavam leis e a jurisprudência nacionais'.