Zika é debatido durante palestra realizada pela Defensoria Pública

 

 

 

 

Técnicos, gestores, representantes de órgãos da saúde municipal e estadual e membros da sociedade civil reuniram-se na sede da Defensoria Pública de Alagoas (DPE/AL), na manhã desta terça-feira, para assistir a palestra ministrada pela pesquisadora do Instituto Anis, Débora Diniz, intitulada “Zika em Alagoas: a urgência dos direitos”. Na oportunidade, a pesquisadora apresentou um relatório fruto de pesquisas realizadas no Estado, no ano passado, e entregou ao defensor público geral do Estado, Ricardo Melro.

 

Conforme o relatório, os pesquisadores percorreram 21 municípios de Alagoas e acompanharam 54 famílias de crianças com registros suspeitos, confirmados e descartados de má-formação causada pelo zika. Dos 54 casos analisados pelos pesquisadores, 5 foram descartados, pois eram falhas de registro. Das 49 restantes, 10 estavam em investigação para congênita de zika – a pesquisa cobriu 45% dos casos confirmados e 20% estão sob investigação.

 

De acordo com a pesquisa, as mães das crianças afetadas pelo Zika, são jovens, negras ou indígenas, cuja maioria vivenciou a primeira gravidez ainda na adolescência, pouco escolarizadas e estão fora do mercado de trabalho.  

 

Até o final de 2016, Alagoas havia notificado oficialmente 371 casos de Síndrome Congênita do Zika, 3,4% dos casos registrados no Brasil, desses, 86 foram confirmados, 51 permaneciam sob investigação e 234 foram descartados. Quando comparado a proporção de casos pelo número de nascidos vivos, Alagoas registrou a mesma quantidade de casos que a Bahia, 35 casos para casa 10 mil nascidos vivos.

 

“Quando olhamos de maneira geral, parece que Alagoas teve menor prevalência, no entanto, temos de pensar nas características do Estado. Alagoas é um estado pequeno, poderia ser uma cidade baiana em população, mas alcançou a mesma prevalência de casos que o estado Bahia, é esse dado que tem de ser levado em conta quanto pensamos em políticas públicas”, explicou Diniz.

 

O levantamento apontou, ainda, que 45% das mães não realizavam regularmente as consultas especializadas por falta de transporte e uma em cada quatro crianças não tinha assistência farmacêutica. A pesquisa apontou ainda que boa parte das mães não recebem o Benefício de Prestação Continuada, concedido para crianças com a síndrome que vivem em famílias cuja renda per capita não ultrapassa um quarto de salário mínimo. 

 

Casos não notificados

 

A pesquisa aponta ainda para a questão da subnotificação e falta de acompanhamento de famílias afetadas pela Síndrome Congênita. O grupo acompanhou 10 casos não confirmados. De acordo com o relatório alguns fatores relacionados ao Protocolo Alagoano de Vigilância a Ocorrência da Síndrome Congênita do Zika geram dificuldades para a confirmação do caso, o que afasta as pessoas de seus direitos. O protocolo estabelece, por exemplo, a necessidade uma tomografia computadorizada, mas somente dois hospitais públicos em Alagoas possuem aparelho tomográfico, o Hospital Geral de Maceió e Hospital de Arapiraca.

 

A política alagoana para o zika previu que um recém-nascido com microcefalia teria prioridade para acesso ao exame tomográfico, mas a realização não é imediata. Isso significa que um recém-nascido recebe alta e aguarda a realização do exame, para daí ser incluído no fluxo de acolhimento para as crianças com a síndrome congênita do zika.

 

Outra complicação é o fato a necessidade do laudo do radiologista seja sugestivo de anormalidade típica de zika na imagem tomográfica. Ou seja, há uma presunção de que no tempo da epidemia uma diversidade de especialidades médicas estariam capacitadas para as “definições vigentes”.

 

Segundo a pesquisadora Débora Diniz, há uma tragédia humanitária em curso e o nordeste brasileiro é o epicentro da angústia global. “Em 2017, nos preparamos para a terceira onda de mulheres afetadas na gravidez pelo vírus zika e pouco foi feito pelo governo brasileiro para colocá-las no centro de proteções da epidemia. Como um agravante, o Ministério da Saúde decretou em maio de 2017 o ‘fim da situação de emergência’ para a epidemia do vírus zika no Brasil. Falsamente, se acredita que houve o fim”, disse a palestrante.


“Esse encontro de hoje é um marco dentro do Estado do início de uma luta para garantia efetiva de direitos. Estamos reabrindo a discussão um dia depois que o Governo decidiu decretar seu fim, temos de nos posicionar para garantir que ninguém fique desassistido, queremos garantir que as pessoas que hoje sofrem sem o acompanhamento adequado possam ser atendidas e garantir que novos casos sejam tratados da maneira correta e recebam a assistência adequada. Se nada for feito agora o desamparo será cada vez maior”, pontuou Diniz.


Debate

 

Após a exposição dos dados, a Defensoria Pública abriu espaço para debate, que teve como mediador o Diretor da Escola Superior da Defensoria Pública do Estado, defensor público Fabrício Leão Souto, e contou com a participação da palestrante Débora Diniz, da médica infectologista do Hospital Helvio Auto, Mardjane Nunes, a  professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, Adriana Ávila, o médico infectologista Celso Tavares e a coordenadora do Núcleo de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde de Alagoas (Sesau), Cristina Rocha.

 

'A Escola Superior conseguiu promover um amplo e importante debate sobre o zika, dando continuidade a uma evento realizado no mês passado, para que o trato desse assunto tenha sequência e consequência no sentido de trazer resultados. A data de hoje é extremamente simbólica porque representante o dia em que o governo retirou o alerta de emergência nesse assunto, o que, seguramente, pode arrastar o tema para o esquecimento novamente. Dessa maneira, a data foi escolhida para marcar o ato com a apresentação de um substancioso relatório dessa nacional e internacionalmente reconhecida pesquisadora alagoana, que é a professa Débora Diniz. Portanto, a Defensoria coloca-se espaço da sociedade civil e parceira nesse desafio', destacou Fabrício Souto.


No debate, membros da saúde municipal e estadual expuseram suas vivências no trabalho de prevenção e no acompanhamento as famílias afetadas pelo Zika, falaram sobre as dificuldades encontradas no Sistema Único de Saúde.


“Alagoas é minúscula, podemos percorrer uma ponta a outra em 4 horas. Não existem justificativas aceitáveis para situações como a falta de transporte para levar as mães e crianças ao acompanhamento, falta de remédios e o abandono dos pacientes. Os governos precisam funcionar, precisa que haja vontade do poder público fazer funcionar”, declarou o médico infectologista Celso Tavares.


A superintendente do Núcleo de Vigilância em Saúde da Sesau, Cristina Rocha, ressaltou que estado tem interesse na discussão e está aberto a promover mudanças. “É o segundo evento promovido pela Defensoria nesse sentido do qual participamos. Nós acreditamos que esse assunto não deve cair no esquecimento, o Estado não pretende deixar de lado, continuamos atuando na vigilância e nos comprometemos a promover uma revisão dos casos descartados e articular novas medidas para garantir tratamento adequado para todos”.